sábado, 31 de dezembro de 2011

Agora é a vez dele: 2012


Pode ir embora 2011, eu deixo, não posso impedi-lo de findar-se. Mas, se pudesse retê-lo, certamente o faria, pois você foi o melhor ano da minha vida. Nada, nada se compara ao que me deste e se somou ao que seus coleguinhas anteriores me deram (e olha que já era bastante - filhos maravilhosos, família encantadora, coragem pra enfrentar desafios, por exemplo). Agora é hora de você partir, 2011...
Dá até vontade de chorar quando me lembro dos seus dias, cada qual na companhia de novos amigos, compartilhando as esperanças de dias melhores.
E os dias melhores vieram, você não se esqueceu de me presentear com a realização de sonhos exaustivamente sonhados durante todos os seus dias. No seu finalzinho, nos últimos meses, você me deu um presente dos deuses, um emprego dos sonhos.
E junto mandou um montão de amigos queridos.
Olha lá no meu Face quantos amigos já se somam entre os meus...
Vai, vai embora 2011... Leva as minhas lágrimas, leva o que doeu demais no meio das alegrias dos seus dias. Vou lhe dar um adeus, pois de adeus também vivemos, mas pode estar certo que não o esquecerei. Vou seguir saudando 2012 e esperando que a coragem nunca me abandone. Também desejo coragem a todos os meus amigos. E saúde e amor, claro. Muita saúde e amor demais.
Beijos borbulhantes e servidos em taças de cristal a todos!!!!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Meu cachorro é muito inteligente e safado

Passei um mês fora, voltei e recebi a notícia de que meu cachorro não estava mais subindo em minha cama, agora o sofá da sala era o seu descanso diário.


Comecei então a me perguntar por que, de repente, meu cachorro deixou de fazer justamente o que vinha insistindo para que não fizesse: subir em minha cama e ali ficar, por mais que eu o tirasse de lá.

Posso estar enganada, mas creio que ele sentiu minha falta. Deve ter pensado (tenho certeza que os cães pensam): ela foi embora porque eu insistia em fazer o que ela não queria.

Sim, ele sentiu minha falta, disseram-me ainda que chorava a cada vez que alguém batia à porta e não era eu quem chegava.

Mas voltei e tudo voltou ao normal: enquanto escrevo, meu cachorro está deliciosamente deitado em minha cama, aconchegado no meio dos travesseiros.

Não sei se mais alguém sentiu minha falta, tal como suponho que meu cachorro sentiu. Eu sofri por estar longe, queria voltar, não podia.

Tenho pensado que os cães nasceram para amar os humanos, unicamente. E nós, que tantas vezes desistimos de amar as pessoas, estamos aprendendo a amar os animais como nunca antes.

domingo, 9 de outubro de 2011

O Casal Diferente


Conheço um casal que está dando o que falar entre a galera. Ela está beirando os quarenta anos de idade e ele tem pouco mais de vinte. Ela é uma mulher, e pra quem acredita que o tempo é cronológico e linear, ele é um menino. Protagonizam um encontro cujo desencontro soma dezessete anos de diferença, mas ainda assim se adoram. Quem os conhece e se comove com o drama e a comédia das peripécias desse amor, já nem nota o disparate e está até fazendo torcida. E, realmente, eles são lindos e engraçados: pressionados pelo preconceito, vivem tentando se separar; sufocados pela saudade, estão sempre juntos.
Imaginem vocês que um dia, após vários meses de tórrida união, resolveram que deviam se separar:
- Não adianta, a sociedade não vai nos aceitar nunca.
- Você já tem muitas coisas e eu estou só começando, nada posso lhe oferecer.
- Ainda não tenho rugas, mas elas vão aparecer.
- Eu vou ficar cada vez mais velha e você cada dia mais lindo.
Eles tentaram. Não conseguiram, porém. Teimosos, marcaram a despedida para o dia seguinte: com almoço e tudo o que os apaixonados têm de direito. Afinal, um grande amor devia terminar em grande estilo.
- É melhor assim, mas por favor não fica com outro perto de mim.
- Não, nunca. Nem você...
- Nunca!
- Você promete que não vai chorar?
- Não vou chorar. E você?
- Nem eu.
- Até... seja feliz.
Duas semanas e, na madrugada, lá estava ele na janela dela: embriagado de desejo. Tímidos olhares trocados, mãos disfarçadas roçando os cabelos.
- Eu estava passando por aqui...
- Sim...
- Vamos tomar um café?
- Sim...
- Até...
Semana seguinte e lá estava ela na casa dele: escancarando a campainha, esbravejando contra a distância. E, sem pudor, se amaram.
Mas eles precisavam manter a palavra: definitivamente, agora é fim!
Ela (linda, ainda), bem rápido ajeitou novo romance. Ele, a cada dia trocava de par. É imprescindível esquecer, diziam.
Mas chegou o Natal e, bons amigos que pretendiam ser, encontraram-se para a troca de cartões. Um beijo de leve, a saudade pesada. Romperam as escadas e, sem pudor, mais uma vez se amaram.
Aniversário dele: com amor, ela foi o presente.
Aniversário dela: com ardor, ele foi o presente.
Alguém ouviu falar em pudor?
Pudor, segundo o Aurélio: “sentimento de vergonha, de mal-estar, gerado pelo que pode ferir a decência”. Decência: não quero nem ver o que significa, deve ser tudo o que está de acordo com a moral e os bons costumes de uma sociedade. Homem mais velho com mulher mais jovem? Correto. Mulher mais velha com homem mais novo? Nem pensar, indecente! É evidente que ela só persiste nessa loucura porque tem a ilusão de que, ao lado dele, pode manter a juventude, ignorar o tempo. Ele só está com ela porque ela representa a mãe protetora, acolhedora e provedora da qual ele não quer se desvincular. Tudo tem uma explicação coerente e só ela deve ser considerada, alardeiam os sapientes.
Mas outro dia vi a Suzana (maravilhosa) Vieira, que aliás é casada com um homem muito mais jovem do que ela (só por que ela é rica e famosa, pode?), dizendo que o amor não se explica. Ela sabe que não perdemos a mania de tudo explicar.
E quem pode afirmar com convicção que não é amor esse desejo que mantém o vai-e-vem desses dois de quem falo? O que mais é o amor senão a alegria e a harmonia que os impede de concretizar a separação? Chega de explicação. Mais amor e menos pavor!
Penso que desperdiçamos muito tempo nos preocupando – antecipando sofrimento – e nos esquecemos de nos ocupar com a vida: sentir a delícia do instante presente.
Pensar no futuro é importante, sim. Mas o que é o futuro senão a certeza de que é incerto? Para o amanhã só vale o aforismo socrático: “morte certa, hora incerta”.
Assim, se a dor é inevitável, que ela só doa quando chegar. Se hoje é amor, por que não amar?

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A idade e suas (des) vantagens.

Dizem que a idade tem lá as suas belezas.
E aí vem aquela desmancha prazeres e pergunta:
Quais as vantagens de se ter mais idade?
Queremos acreditar que existam virtudes nas experiências que acumulamos e nas rugas que estampamos.
Sempre.
Realmente minha vida está mais fácil hoje do que há anos atrás.
Filhos criados e uma série de bens materiais estão acumulados na conta da existência.  
E me sinto bem melhor por outros motivos.
O sofrimento e a decepção vão embora logo, não me derrubam.
Essas são vantagens da idade: aprendemos a ter fé, a chorar menos, a guardar as boas lembranças dos acontecimentos e a esquecer com facilidade tudo que nos fez sofrer. Passamos a gostar mais das pessoas também, a enxergar suas virtudes e a relevar o que não nos agrada.
No entanto, como diz um colega médico, a idade nos traz doenças.
Vamos todos ficar doentes, é uma questão de tempo.
Para alguns a doença chega tarde.
Minha avó, por exemplo, tem 97 anos e está até que muito bem: só não enxerga e nem ouve bem.
Ontem a levei ao médico e ela estava linda, elegantíssima!
Disse-lhe: que vestido lindo, vó!
Ela respondeu: você gostou? Mandei fazer pra ir ao médico hoje, vou guardar ele pra quando eu morrer, então.
Faz pelo menos uns 10 anos que ela separa um vestido para usar no dia do seu enterro. Vez ou outra ela enjoa da roupa reservada para a hora de sua morte e o substitui por outra, mais na moda.
Para outras pessoas, entretanto, a doença chega cedo.
Não é o meu caso.
Mas é o de muitos, infelizmente.
Portanto, como não sabemos quando ficaremos doentes, melhor mesmo é comemorar a vida com alegria e sem reclamações.
Um brinde à vida, meus amigos!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

O imperador do meu coração


Há dias um casal, desses apaixonados e vidrados um no outro, está me pedindo para falar deles:
- Conta para o mundo que estamos nos amando, fala do nosso amor; você é a única escritora que conhecemos, por favor, fala do amor só para nós.
O amor sonha com exclusividade!
Nem tanto pelos incessantes pedidos, mais pelo carinhoso adjetivo de escritora, este texto é dedicado aos pombinhos e, extensivamente, a todos os columbídeos. Que difícil tarefa!
Falar dos apaixonados pressupõe um discurso sobre o amor. E um bom discurso deve explicar perguntas do tipo: o quê é e para quê serve? Se fosse poeta, diria que o amor é chama que incendeia e faz arder cada milímetro do nosso corpo, iluminando os olhos para que enxerguemos a vida com inquietante e repousante alegria (que horror!).
Conhecendo as minhas limitações poético-metafóricas, o amor não passa mesmo de uma coisa que só dá dor de cabeça e tira o sono. Estou sofrendo de enxaquecas e insônia... Não queria, mas também estou... Assim, não posso falar do amor. Diz um provérbio chinês: “o lugar mais sombrio é sempre embaixo da lâmpada”. Estou ardendo por essa coisa chamada amor e, na claridade, só consigo senti-lo. Roland Barthes, no livro Fragmentos de um Discurso Amoroso, diz: “bem que eu gostaria de saber o que é, mas estando do lado de dentro eu o vejo em existência, não em essência... excluído da lógica, não posso pensar bem”.
Não posso falar do amor, mas o amor me inquieta. E para aliviar a tensão, quero compreender e encontrar respostas.
Por que, dentre tantas pessoas, uma e apenas uma detém o poder de concentrar o meu desejo de forma tão exclusiva? Que características ele tem que me seduzem? Não sei. Meu amor me captura e não quero fugir. Estou satisfeita com meu amor e isso só deveria me acalmar. É ele e ele só me basta. Quero continuar, porém. Enquanto falo do meu amor, o aprisiono.
O amor sonha com gaiolas!
Apelo à teoria e busco Freud. Em sua obra ele distingue dois modos pelos quais efetuamos a escolha do nosso amor: a escolha anaclítica (não tem no dicionário, advém de Anlehnung, em alemão, e significa apoio) e a escolha narcísica. Quando escolhemos anacliticamente, nossas anteninhas captam o par que representa nossos pais: a mulher que alimenta ou o homem que protege. Se escolhermos narcisicamente, o felizardo recai sobre: aquilo que somos; ou aquilo que fomos; ou aquilo que gostaríamos de ser; ou alguém que um dia fez parte de nós (por exemplo, a mulher que ama um homem que representa o filho amado, parte de seu próprio corpo).
Vou ter que escolher entre um e outro tipo de escolha para entender as razões que me levam a preferir um e a preterir o outro amor? Fazer escolhas angustia demais!
Mais além em Freud: não existe um tipo de escolha puro, ideal – todo ser humano elege como imperador do seu coração “ele próprio e a mulher que cuida dele”. Que alívio! Freud explica, mas agora não me responde.
A teoria comportamental, por seu turno, diz que escolhemos aquela pessoa que irá nos ajudar a cumprir as tarefas de desenvolvimento que queremos empreender na vida. Por exemplo, um homem que pretende construir família e ter filhos, irá aproximar-se daquela mulher que poderá lhe dar belos rebentos. Isso é interessante, prático. Mas a praticidade nem sempre combina com os apaixonados.
Para terminar logo esse tormento, vou procurar os poetas. Só os poetas explicam bem as razões do amor. Páginas e páginas e ainda mais me perco: todas as trovas de amor revelam o que sinto e nenhuma me aponta um norte. Fico desnorteada. Desesperada, olho para o rosto do meu amor e não posso mais pensar, só quero sonhar...
O amor sonha com sonhos!
Não satisfeita, prossigo. Rubem Alves, ao falar sobre o erotismo exercido pelas palavras no livro A Alegria de Ensinar, cita o brilhante filósofo Nietzche: “uma só pergunta deve ser feita quando se pretende casar: continuarei a ter prazer em conversar com essa pessoa daqui a 30 anos?”.
Encontrei. Meu amor me encanta porque o que ele me diz me faz voar – fico leve como um pássaro e sinto que posso conquistar o mundo com minhas asas. Estou prisioneira das palavras aladas e, assim, quero continuar ouvindo o som das coisas lindas que saem da boca do meu amor por mil e uma noites...
O amor sonha com o eterno!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

O amor e seus medos

    Respeitando o hábito de sempre manter as mãos e os pés impecáveis, cheguei pontualmente ao salão de beleza para o meu deleite semanal. Mal iniciei os cordiais cumprimentos às presentes, fui informada que alguém estava interessada em usurpar meu sagrado horário. De imediato pensei num discurso contestador. Nem tive tempo de proferi-lo. Uma senhora adentra o recinto com tal imponência e furor, que me desarmou: "vou me encontrar com meu namorado, posso pegar o seu lugar?" Que ousadia! Fiquei paralisada, não sabia se ria ou chorava. Estava diante de uma guerreira apaixonada e qualquer argumento sobre meus legítimos direitos seria em vão. Era pegar ou largar: ou me sentava e esperava ou ia embora. Fiquei.
    A manicure, constrangida com o desrespeito ao meu horário, mas visivelmente a favor da outra, iniciou uma conversa para justificar o contratempo.
    - Faz quatro meses que ela está namorando. Conheceu o gatão no baile dos veteranos. Foi lá sacolejar as cadeiras com as amigas e virou mocinha. Quem te viu e quem te vê! Sabe quantos anos ela tem? Setenta!
    O assunto estava ficando interessante, mas aquilo era brincadeira, pensei. Setenta anos com aqueles olhos brilhantes e aquele porte ilustre?
    - Ele me ligou de repente, não estava esperando. Vou conhecer os filhos dele. Estou tremendo de medo.
    Medo e amor sempre juntos, revelados nos atos, nas palavras e nas minúcias vacilantes. Shakespeare, o poeta de todas as paixões, de forma suprema assim os uniu: "um grande amor, pequenos medos faz crescer; onde reside o medo também há bem querer".
    Então a manicure, desbocada como ela só, começou a incitar a menina apaixonada:
    - Conta aí, já aconteceu? Se demorar muito as traças vão comer aquela lingerie sedutora que te vendi.
    - Mais respeito... você sabe das minhas limitações!, ela censurou zombeteira sua inquiridora. Você, que é psicóloga, entende dessas limitações, com brio ela me confidenciou.
     Eu? Meras explicações sem importância frente às ilimitações do ser humano. Ela estava transbordando alegria e queria falar. Estava me alimentando com seu contentamento e queria ouvi-la. Era meu dia de folga.
     - Faz 20 anos que... sabe... eu não namoro. Fiquei viúva há 12 anos, mas 8 anos antes do meu marido morrer a gente não namorava mais. Ele não gostava de carinho e acabei me acostumando. Nem pensava mais em conhecer alguém; fui lá no baile só para dançar um pouco, fazia tanto tempo que eu não dançava...
     Ah... o amor é lindo... Mas aquele amor não era benção dos céus. Ela foi ao baile para encontrá-lo. Há 20 anos pacientemente o procurava. Às vezes demoramos um pouco para encontrar o que nos falta, mas aceitando a falta, não desistimos de procurar. E na busca da satisfação do desejo, até os deuses conspiram: o corpo envelhece, mas não perde a graça; o sorriso se esconde, mas não desaparece; os olhos choram, mas não deixam de brilhar; o tempo passa, mas não nos leva. Aquela mulher nunca se acostumara com a falta de carinho.
     Unhas prontas, preâmbulo da aventura de amor. Ela se levantou e me pediu um abraço. Levei um susto! Que bom: o humano ainda me surpreendia. Se deixo de me surpreender, já não posso ver a possibilidade do inusitado. Todos se tornam mais um, nunca únicos.
    - Nem sei como te agradecer, foi tão bom conversar com você. Até estou me sentindo mais forte para vencer as minhas limitações. Me diz só mais uma coisa: você também acha que consigo vencer as minhas limitações?
    Eu? Dizer mais o quê? Não abri a boca durante toda essa pretensa conversa na qual ela me incluíra! Tudo era obra dela. A rota já estava traçada, meus ouvidos só contiveram o anúncio de sua breve chegada. Resolvi falar, porém:
    - Algum dia você duvidou que não conseguiria vencer qualquer limitação?
    - Mas é lógico que não! Só estou fazendo um pouco de charminho, ela respondeu manhosa.
    Na sua contagiante alegria, ela abraçou todo mundo e foi saindo. Lá fora, encostou o rosto na janela aberta e anunciou eufórica:
    - Me providencia outra roupa daquelas, Maria. E vê isso logo porque eu vou precisar!
    Perdi minha hora, mas ganhei o dia: nascemos sabendo dançar, mas só os deuses nunca perdem o ritmo. Mais música para todos, senhores cavalheiros!
   

quarta-feira, 30 de março de 2011

Onde estão os fiscais?


As recentes greves de funcionários nas obras do PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, em decorrência das condições insatisfatórias de trabalho, levaram-me de volta ao meu passado de funcionária do Banespa, o antigo Banco do Estado de São Paulo. Acabara de completar 18 anos, era meu primeiro emprego. E que emprego! Concursada, efetivada, conta corrente gorda. Não sabia nem o que fazer com o dinheiro que recebia. Aprendi rápido, claro.
Tudo ia bem, até que resolveram realizar reuniões para se discutir assuntos relacionados ao trabalho. Moderna gestão, não fosse o fato de nos obrigarem a elas comparecer fora de nosso horário de trabalho. Uma vez, duas vezes: todos reclamavam, ninguém tomava atitude. Imperava o medo de represálias, era prudente conter o grito. Então eu liguei para o Sindicato, expus a situação, a data e o horário da próxima. Não deu outra, os homens vieram e se postaram na porta de entrada do Banco, à espera da chefia. Do lado de lá da rua, na calçada, podíamos observar, pelas janelas de vidro que contornavam o prédio, o circo se incendiar.
Que tempo bom! Confesso que arrumei umas confusões. Mas tudo em defesa dos nossos direitos que eram constantemente desrespeitados. Anos mais tarde, em um encontro com um antigo chefe daquela época, fui questionada se teria sido eu quem ligara para o Sindicato. Tal como os homens que negam uma traição, de pés juntos eu falei, mais uma vez e sempre, não. Ele disse: “foi você, eu tenho certeza”.  
O tempo passou, o Banespa virou pó e eu psicóloga. Não raro atendo homens e mulheres que sofrem por terem seus direitos trabalhistas relegados ao esquecimento. Quase nada mudou. E lá estão os homens de novo, o Sindicato foi chamado para solucionar os conflitos nas construções do PAC. Por experiência própria, digo que, pra se chegar a esse ponto, o ambiente ficou insuportável. Eles se reuniram e, entre tantas orientações, lembraram que é necessário intensificar a fiscalização nos canteiros de obras.
Cá do outro lado da estrada, como espectadora do caos, penso que uma solução seria o embargo de obras que ofereçam riscos aos trabalhadores. Como entusiasta do desenvolvimento, entretanto, sei que o PAC não pode parar. Mas, os funcionários também não podem morrer.
Sabemos que, nos contratos de concessão, atuam fiscais de contrato, os quais devem fiscalizar o cumprimento dos contratos, inclusive para garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores. Quando percebem indícios de irregularidades, eles devem acionar o Ministério do Trabalho, que por meio de seus auditores, faz a fiscalização e estabelece um Termo de Ajustamento de Conduta para o prosseguimento das obras, entre outras possibilidades. Onde estão os fiscais de contrato? Se existem, por que não estão notificando os auditores fiscais do trabalho? Será que a necessidade de dar prosseguimento ao PAC a qualquer custo está inibindo a ação fiscal?
Não tenho respostas aos meus questionamentos. Para a maioria deles, por certo. Não sei, por exemplo, por que cargas d’água a chefia do meu Posto de Saúde está adiando a abertura de uma janela na sala onde se realizam os grupos. Eu faço Psicoterapia de Grupo, os médicos também realizam grupos para tratarem de assuntos pertinentes à área de cada um. Qualquer dia alguém vai desmaiar naquele lugar, tamanha a falta de ventilação. Diz meu chefe que não pode mexer em uma única parede sem a autorização dos Auditores Fiscais do Trabalho. Estamos aguardando a visita de um.
Enquanto não aparece nenhum, continuo eu aqui morrendo de calor. Isso não é nada, queima caloria sobressalente. Triste mesmo é a morte dos trabalhadores que estão construindo o nosso país. Falta fiscalização, enfim.