As recentes greves de funcionários nas obras do PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, em decorrência das condições insatisfatórias de trabalho, levaram-me de volta ao meu passado de funcionária do Banespa, o antigo Banco do Estado de São Paulo. Acabara de completar 18 anos, era meu primeiro emprego. E que emprego! Concursada, efetivada, conta corrente gorda. Não sabia nem o que fazer com o dinheiro que recebia. Aprendi rápido, claro.
Tudo ia bem, até que resolveram realizar reuniões para se discutir assuntos relacionados ao trabalho. Moderna gestão, não fosse o fato de nos obrigarem a elas comparecer fora de nosso horário de trabalho. Uma vez, duas vezes: todos reclamavam, ninguém tomava atitude. Imperava o medo de represálias, era prudente conter o grito. Então eu liguei para o Sindicato, expus a situação, a data e o horário da próxima. Não deu outra, os homens vieram e se postaram na porta de entrada do Banco, à espera da chefia. Do lado de lá da rua, na calçada, podíamos observar, pelas janelas de vidro que contornavam o prédio, o circo se incendiar.
Que tempo bom! Confesso que arrumei umas confusões. Mas tudo em defesa dos nossos direitos que eram constantemente desrespeitados. Anos mais tarde, em um encontro com um antigo chefe daquela época, fui questionada se teria sido eu quem ligara para o Sindicato. Tal como os homens que negam uma traição, de pés juntos eu falei, mais uma vez e sempre, não. Ele disse: “foi você, eu tenho certeza”.
O tempo passou, o Banespa virou pó e eu psicóloga. Não raro atendo homens e mulheres que sofrem por terem seus direitos trabalhistas relegados ao esquecimento. Quase nada mudou. E lá estão os homens de novo, o Sindicato foi chamado para solucionar os conflitos nas construções do PAC. Por experiência própria, digo que, pra se chegar a esse ponto, o ambiente ficou insuportável. Eles se reuniram e, entre tantas orientações, lembraram que é necessário intensificar a fiscalização nos canteiros de obras.
Cá do outro lado da estrada, como espectadora do caos, penso que uma solução seria o embargo de obras que ofereçam riscos aos trabalhadores. Como entusiasta do desenvolvimento, entretanto, sei que o PAC não pode parar. Mas, os funcionários também não podem morrer.
Sabemos que, nos contratos de concessão, atuam fiscais de contrato, os quais devem fiscalizar o cumprimento dos contratos, inclusive para garantir a saúde e a segurança dos trabalhadores. Quando percebem indícios de irregularidades, eles devem acionar o Ministério do Trabalho, que por meio de seus auditores, faz a fiscalização e estabelece um Termo de Ajustamento de Conduta para o prosseguimento das obras, entre outras possibilidades. Onde estão os fiscais de contrato? Se existem, por que não estão notificando os auditores fiscais do trabalho? Será que a necessidade de dar prosseguimento ao PAC a qualquer custo está inibindo a ação fiscal?
Não tenho respostas aos meus questionamentos. Para a maioria deles, por certo. Não sei, por exemplo, por que cargas d’água a chefia do meu Posto de Saúde está adiando a abertura de uma janela na sala onde se realizam os grupos. Eu faço Psicoterapia de Grupo, os médicos também realizam grupos para tratarem de assuntos pertinentes à área de cada um. Qualquer dia alguém vai desmaiar naquele lugar, tamanha a falta de ventilação. Diz meu chefe que não pode mexer em uma única parede sem a autorização dos Auditores Fiscais do Trabalho. Estamos aguardando a visita de um.
Enquanto não aparece nenhum, continuo eu aqui morrendo de calor. Isso não é nada, queima caloria sobressalente. Triste mesmo é a morte dos trabalhadores que estão construindo o nosso país. Falta fiscalização, enfim.