Há dias um casal, desses apaixonados e vidrados um no outro, está me pedindo para falar deles:
- Conta para o mundo que estamos nos amando, fala do nosso amor; você é a única escritora que conhecemos, por favor, fala do amor só para nós.
O amor sonha com exclusividade!
Nem tanto pelos incessantes pedidos, mais pelo carinhoso adjetivo de escritora, este texto é dedicado aos pombinhos e, extensivamente, a todos os columbídeos. Que difícil tarefa!
Falar dos apaixonados pressupõe um discurso sobre o amor. E um bom discurso deve explicar perguntas do tipo: o quê é e para quê serve? Se fosse poeta, diria que o amor é chama que incendeia e faz arder cada milímetro do nosso corpo, iluminando os olhos para que enxerguemos a vida com inquietante e repousante alegria (que horror!).
Conhecendo as minhas limitações poético-metafóricas, o amor não passa mesmo de uma coisa que só dá dor de cabeça e tira o sono. Estou sofrendo de enxaquecas e insônia... Não queria, mas também estou... Assim, não posso falar do amor. Diz um provérbio chinês: “o lugar mais sombrio é sempre embaixo da lâmpada”. Estou ardendo por essa coisa chamada amor e, na claridade, só consigo senti-lo. Roland Barthes, no livro Fragmentos de um Discurso Amoroso, diz: “bem que eu gostaria de saber o que é, mas estando do lado de dentro eu o vejo em existência, não em essência... excluído da lógica, não posso pensar bem”.
Não posso falar do amor, mas o amor me inquieta. E para aliviar a tensão, quero compreender e encontrar respostas.
Por que, dentre tantas pessoas, uma e apenas uma detém o poder de concentrar o meu desejo de forma tão exclusiva? Que características ele tem que me seduzem? Não sei. Meu amor me captura e não quero fugir. Estou satisfeita com meu amor e isso só deveria me acalmar. É ele e ele só me basta. Quero continuar, porém. Enquanto falo do meu amor, o aprisiono.
O amor sonha com gaiolas!
Apelo à teoria e busco Freud. Em sua obra ele distingue dois modos pelos quais efetuamos a escolha do nosso amor: a escolha anaclítica (não tem no dicionário, advém de Anlehnung, em alemão, e significa apoio) e a escolha narcísica. Quando escolhemos anacliticamente, nossas anteninhas captam o par que representa nossos pais: a mulher que alimenta ou o homem que protege. Se escolhermos narcisicamente, o felizardo recai sobre: aquilo que somos; ou aquilo que fomos; ou aquilo que gostaríamos de ser; ou alguém que um dia fez parte de nós (por exemplo, a mulher que ama um homem que representa o filho amado, parte de seu próprio corpo).
Vou ter que escolher entre um e outro tipo de escolha para entender as razões que me levam a preferir um e a preterir o outro amor? Fazer escolhas angustia demais!
Mais além em Freud: não existe um tipo de escolha puro, ideal – todo ser humano elege como imperador do seu coração “ele próprio e a mulher que cuida dele”. Que alívio! Freud explica, mas agora não me responde.
A teoria comportamental, por seu turno, diz que escolhemos aquela pessoa que irá nos ajudar a cumprir as tarefas de desenvolvimento que queremos empreender na vida. Por exemplo, um homem que pretende construir família e ter filhos, irá aproximar-se daquela mulher que poderá lhe dar belos rebentos. Isso é interessante, prático. Mas a praticidade nem sempre combina com os apaixonados.
Para terminar logo esse tormento, vou procurar os poetas. Só os poetas explicam bem as razões do amor. Páginas e páginas e ainda mais me perco: todas as trovas de amor revelam o que sinto e nenhuma me aponta um norte. Fico desnorteada. Desesperada, olho para o rosto do meu amor e não posso mais pensar, só quero sonhar...
O amor sonha com sonhos!
Não satisfeita, prossigo. Rubem Alves, ao falar sobre o erotismo exercido pelas palavras no livro A Alegria de Ensinar, cita o brilhante filósofo Nietzche: “uma só pergunta deve ser feita quando se pretende casar: continuarei a ter prazer em conversar com essa pessoa daqui a 30 anos?”.
Encontrei. Meu amor me encanta porque o que ele me diz me faz voar – fico leve como um pássaro e sinto que posso conquistar o mundo com minhas asas. Estou prisioneira das palavras aladas e, assim, quero continuar ouvindo o som das coisas lindas que saem da boca do meu amor por mil e uma noites...
O amor sonha com o eterno!