Num desses dias de insuportável calor, quando até pensar se torna fatigante e o desejo iminente é encontrar um refresco qualquer que amenize o tédio, estava perambulando pela casa com meus botões.
Atraída pela voz sorridente de minha irmã, entrei no quarto onde ela e o seu bebê trocavam gracejos, risos e gritinhos, deitadas uma ao lado da outra na cama. Parei diante delas como quem para diante do nada, absorvida apenas pela vontade de encontrar um assunto interessante sobre o qual escrever. Entre uma graça e outra, sem nem mesmo olhar ao redor, ela me perguntou o que se passava comigo.
“Não sei sobre o que escrever hoje”, respondi-lhe.
“Ah... fala da beleza da Gabriela!”, imediatamente ela me sugeriu.
Sorri e olhei para o delicado mimo. Fiquei extasiada mais uma vez e sempre. Não, não poderia jamais descrever a beleza da Gabriela. A perfeição personificada no rosto meigo de alguém estava além de minha capacidade discursiva. Qualquer palavra dita soaria medíocre e vaga demais. Aquele encanto, só admirar conseguiria. A beleza é como o amor: pura emoção. Assunto reservado aos poetas, pensei.
Mas, como um ímã, aquela cena de comunicação afetuosa entre mãe e filha, tão próxima e integrada como se uma fosse o apêndice indispensável da outra, fixou-se em meus pensamentos e me levou a vislumbrar o futuro da Gabriela.
Filha de pais abastados, com certeza os bens materiais necessários para sua sobrevivência estariam todos garantidos. E quanto à sua felicidade? A Gabriela seria feliz quando crescesse? Tomara. A ela também não faltam dedicação, carinho, afeto e amor de todos que a rodeiam e, especialmente, de sua mãe. Ótimo. Mas quais outros ingredientes seriam necessários para fazer dela uma mulher capaz de ir em busca de sua particular, única e inalienável felicidade?
Ah... seria tão bom se existisse uma receita que, seguida passo a passo, indicasse-nos como tornar nossos filhos felizes. Como a daquele bolo que me fez experimentar um momento de glória assim que abri o forno: no ponto!
Felicidade deve ser isso mesmo: estar no ponto como um bolo fofo, gostoso e quentinho saído do forno. O que basta, o suficiente para o momento
E então? Onde está a receita de felicidade de nossos filhos, perguntam-nos mães e pais aflitos, bem-intencionados e sinceros (e nem pensem que estou sendo irônica, pois faço parte desse grupo).
Não tem receita. Pronto e ponto.
Existem sonhos, entretanto. Nosso imaginário está repleto deles. Principalmente aqueles que não conseguimos realizar e, numa atitude aparentemente despretensiosa e inocente, colocamos na estrada e nos ombros (e nas costas, nos braços, nas mãos, nas pernas, nos pés) de nossos filhos, para que eles realizem por nós. E como pesam esses sonhos... Indefeso, o ser alado é castrado pelo peso dos sonhos dos pais amados. Prisioneiro, o anjo já não pode mais voar. Suas potencialidades não se desenvolvem e os caminhos se misturam e se confundem. Confuso, ele não encontra a saída.
Uma frase do filme “Estamos todos bem”, do diretor Tornatori (o mesmo de Cinema Paradiso), talvez resuma com sabedoria essa problemática: “nunca crie seu filho para que ele seja alguma coisa na vida. Crie-o para que seja qualquer coisa na vida”. Isso nada mais significa do que permitir que nossos filhos escrevam a própria história. Eles escrevem a deles e nós escrevemos a nossa. Cada qual no seu tempo e espaço convenientes. Nós apenas abrimos a janela, mostramos-lhes o horizonte e lhes entregamos os pincéis e as tintas. Eles matizam o universo e nós admiramos o colorido.
E viva a beleza da Gabriela!
Elvira Tomazin